sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Corrupção, Política, Ética e Moralismos

Corrupção, Política, Ética e Moralismos

Sempre que um novo caso de corrupção ou fraude no setor público aparece, é comum de nossa parte, cidadãos, uma reação um tanto quanto cética, derrotista e irônica (de pizza, passamos agora a estigmatizar panetones).
Gostaria de salientar neste artigo que há soluções para os problemas que enfrentamos nesta área. Elas são demoradas, de fato, mas factíveis, dado o que podemos aprender com as experiências históricas. Por outro lado, desejo aqui polemizar em torno daquilo que chamo de “moralismo político e social” ou a aceitação ingênua de que a política não envolve o uso de “mãos sujas”, de que a moralidade política não é maquiavélica e hobbesiana (sim, ela é as duas coisas). Contudo, para formular o argumento, preciso levantar algumas das características de três escândalos recentes: o caso do Governador do DF, Arruda, a fraude no concurso público do Instituto de Criminalística em São Paulo e a fraude corporativa de lavagem de dinheiro envolvendo a Camargo Correa.
Estes três acontecimentos são distintos entre si, porém possuem algo em comum: o não respeito a valores morais que deveriam nortear o auto-interesse e a busca de fins privados numa democracia republicana. Nos dois primeiros casos, a moral pública é violada; no segundo, aquela moral que deveria conduzir, de boa forma, os negócios corporativos.
Fraudes em concursos públicos no Brasil não são a regra, mas a exceção. Em qualquer país este tipo de ocorrência pode aparecer. Trata-se, tal caso, de um exemplo de apropriação patrimonialista da coisa pública, reveladora esta, contudo, de algo perverso no Brasil: o caráter não republicano de facto de boa parte daquilo que Raymundo Faoro, em os Donos do Poder, definiu como estamento burocrático. Estamento burocrátio é uma bela definição que encerra em si mesma um contraditio in terminis: a idéia de burocracia moderna, para Max Weber (influência importante na formação de Faoro) é de um corpo de gestores funcionais, eficazes, racionais e que separam coisa pública de privada. Já o termo estamento refere-se a uma sociedade estamental, a um grupo de indivíduos, tal qual ocorria em sociedades pré-modernas, que desfrutam de um direito quase natural à apropriação do patrimônio público dentro da lei (na forma de privilégios) e fora da lei.
No Brasil, tanto no nível da baixa burocracia, como na alta, envolvendo aí o patronado político brasileiro, não há esta distinção clara entre a gestão do Estado para a sociedade e a gestão do mesmo para algumas corporações de funcionários públicos, agregados e políticos.
A fraude da Camargo Correa é corporativa, embora lesa-pátria, pois representa evasão de impostos e divisas. Este é um mal, porém menor, se comparado com fraudes públicas tais quais as citadas anteriormente. Mas ela revela algo em comum com os casos de corrupção: a crença de que os sistemas de vigilância e punição são frágeis (não há lei, na prática).
O estamento burocrático revelou-se um instrumento de captura do Estado no escândalo do Distrito Federal. Note-se que o tipo de máquina política criada há tempos no DF e exposta ao extremo no caso Arruda, tem uma peculiaridade: desde a fundação de Brasília nunca houve solução para o problema da terra e esta virou moeda de troca nas relações entre deputados distritais, governadores, jornais locais e o eleitorado.
O termo “máquina política” tem origem na literatura política estadunidense, na análise feita sobre corrupção municipal. A corrupção no DF tem características das máquinas políticas. Imagine um governador que retribui seus correligionários com propinas ou com dinheiro retirado de empresários: os correligionários, todos esses indivíduos, podem açambarcar deputados, secretários de governo e o judiciário local. Isso é uma máquina política, uma instituição, uma regra do jogo que faz com que, dados os incentivos, as motivações derivadas das mesmas, os agentes (políticos, burocratas, jornalistas cooptados, desembargadores) atuem na forma de quadrilha. Uma marca das máquinas políticas é que elas não existem em função de uma ou outra eleição: elas se entranham dentro do Estado e são um esquema permanente de uso ilegal da coisa pública.
No Brasil, tais máquinas poderiam ser caracterizadas por “panelinhas”, onde as relações cooperativas de seus membros gera benefícios mútuos, inclusive de auto-proteção (daí a importância de se cooptar desembargadores e ameaçar traidores). Comumente, no Brasil usamos para descrever as ações de tais panelinhas o termo “clientelismo”. Mas o termo clientelismo está mais associado à forma como o poder se estabelece, com todas estas redes de troca de favores no uso da coisa pública, em sociedades agrárias. Então, na descrição do esquema de Arruda, Roriz e seus agregados, o melhor seria usar o termo “neoclientelismo”.
O esquema de corrupção do DF é difernete de um simples caso de fraude num concurso público ou da evasão de divisas associada à má conduta corporativa. Ele revela, a despeito de suas particularidades, uma característica intrínseca ao Estado brasileiro: os membros da clientela, do estamento burocrático e agregados, como que se atribuem um direito natural ao uso privado da coisa pública.
Na verdade, em geral, não há um problema nas pessoas, mas nas regras que as norteiam. A qualidade do jogo político depende da qualidade dos jogadores e da qualidade das regras do jogo, pois delas derivam-se incentivos que determinam as decisões dos agentes. No Brasil o tempo, em média, do julgamento e análise definitiva de um processo é de 10 anos; na França a mesma medida nos dá 7 meses. No Brasil não há lei: os incentivos, no jargão dos economistas, são “tortos”: incentivam a má conduta.
O problema do Brasil, no que se refere à corrupção, não é de governos: é do Estado. Os governos são cooptados por estruturas arcaicas de poder do próprio Estado: não importa o partido político, a colisão, embora mesmo na política tudo tenha limites. Como assim “mesmo na política”?
O mundo da política manifesta o que há de mais vil em nossa natureza. Somos criaturas hobbesianas e maquiavélicas na política: desejamos a destruição do inimigo. Tanto é que quando a política falha, vem a guerra. Falando sobre a qualidade dos jogadores na arena política: ela não tem relação com a capacidade dos mesmos, muitos competentes e capazes (claro que há um baixo clero na política), mas há, no Brasil, regras do jogo que não inibem a ganância.

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