sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Sustentáveis pelo lucro

Sustentáveis pelo lucro

Responsáveis pelo lucro

Responsabilidade social e ambiental das corporações: Por que esta idéia é falsa e, ao mesmo tempo, verdadeira?

Marcos Fernandes Gonçalves da Silva




O Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, produziu dois interessantes artigos, um mais recente, e o outro, de 2004, que tratam de duas questões que, no meu entender, estão relacionadas: como combinar competição, iniciativa privada, busca do lucro, enfim, Capitalismo, como responsabilidade social e ambiental?
No primeiro artigo o tema é a Crise de 2008, como passou a ser conhecida a atual crise financeira e econômica; no segundo, o problema da sustentabilidade em geral. E, no meu entender, eles conseguem nos dar algumas pistas para não somente desmitificar a questão da sustentabilidade, mas para também construir-se uma visão realista sobre a mesma. Particularmente prefiro usar o termo “sustentabilidade” no lugar de “responsabilidade social e ambiental”. Qual a justificativa para isto? O objetivo deste artigo é exatamente demonstrar não somente a conveniência, mas bem como a razoabilidade de se usar o primeiro termo.
Basicamente, Sen argumenta que a Crise de 2008 mostra como devemos voltar às bases do Capitalismo, aos fundamentos morais do mesmo, sem perder de vista as virtudes da competição empresarial e da economia de mercado. Nas minhas palavras, não nas dele, a sustentabilidade do Capitalismo e das corporações depende de regulação, da lei, valores morais e de regras de conduta que visem o bem comum.
A principal instituição do Capitalismo é a corporação. Na verdade, quando falamos de corporações levamos em consideração grandes empresas de capital aberto, que possuem, em geral, atuação internacional e que operam em ambientes extremamente competitivos e oligopolizados. Todavia, no Capitalismo as empresas nem sempre se estruturaram desta forma.
A estrutura de governança corporativa no Capitalismo Clássico, aquele que podemos delimitar temporalmente entre o final do Século XVIII até meados do Século XIX, pressupunha, em geral, empresas com controle familiar do capital, havendo coincidência entre a figura do dono e gestor do mesmo. Mas, a estrutura de governança corporativa não envolve somente este aspecto, contudo também como a sociedade, organizada na forma de consumidores, comunidades e de acionistas controla, direta ou indiretamente, as corporações.
No contexto da formação do Capitalismo simplesmente não havia nenhuma preocupação maior com consumidores, trabalhadores, comunidade e meio ambiente. Podemos chamar este primórdio do Capitalismo moderno de “selvagem”. Foi esse sistema – e mesmo o que evoluiu durante o Século XIX, que levou Karl Marx a criticar ferozmente o Capitalismo. Mas Marx viria a errar, pois o Capitalismo mudaria, assim como as empresas.
Ao longo da segunda metade do Século XIX as empresas, nas economias que se desenvolviam rapidamente, começaram a abrir cada vez mais seu capital. Neste momento, acionistas passam a possuir o capital, enquanto que a gestão ficaria a cargo de profissionais, administradores. Não cabe aqui discutir as virtudes dessa mudança na estrutura de governança corporativa das empresas, mas uma barreira que impedia um controle mais eficiente, porém complexo, das empresas, foi rompida. Mas, até a década de 70 do Século XX pouca coisa mudou e, entre os “participantes” da empresa não se incluíam consumidores, trabalhadores e comunidades.
Mas a partir dos anos 70 algo de significativo aconteceu e isso tenderia a mudar a face do Capitalismo. Movimentos de esquerda na Alemanha e na Europa, alguns nos Estados Unidos, desiludidos com o chamado “Socialismo Real”, com o comunismo mesmo e com as falsas utopias marxistas, abraçam a causa do ambientalismo. O surgimento do Partido Verde na Alemanha, neste sentido, é um marco, bem como de movimentos ambientalistas organizados no nível da sociedade civil.
As corporações tiveram que se adaptar, pela força da lei inicialmente, ao controle indireto de suas ações e aos interesses organizados dos ambientalistas. Todavia, durante os anos 80 e 90, consumidores e comunidades começaram a exercer maior acconutability sobre a ação das corporações.
Atualmente há uma tendência, dependendo do nível de renda das pessoas e de países, a um maior controle sobre a vida das corporações, controle esse que se amplifica na medida em que alguns grupos de acionistas se recusam a investir em determinadas empresas e setores que são considerados “moralmente pouco aceitáveis”, seja por causa dos danos ao meio ambiente, seja pela forma como tratam seus colaboradores, seja por questões políticas e sociais.
A estrutura de governança corporativa no Capitalismo atual aparentemente está mudando – sim, este processo mal começou, é gerúndio – com a inclusão direta e indireta dos consumidores, que passam a agir como eleitores em seus atos de compra, e de movimentos sociais.
Mas o que aconteceu com as corporações? As corporações continuam as mesmas: buscam o lucro e devem fazê-lo. A função de uma corporação é gerar valor ao acionista. Contudo, elas se vêm constrangidas mais que no passado, pela lei e pela mudança de valores de consumidores e de seu próprio mannagement, de seus gestores. Elas não se tornaram mais responsáveis ou boazinhas; elas não devem, a princípio, pensar em outra coisa senão o lucro. O que ocorre é que as corporações lidam agora com um ambiente político, social e institucional mais crítico.
Amartya Sen, no primeiro artigo citado, procura argumentar que a Crise de 2008 abre espaço para uma discussão sobre os valores dentro do Capitalismo e sobre as funções de uma economia de mercado que, resumidamente, estão associadas à geração do maior bem-estar coletivo, com a minimização dos malefícios causados pela competição e busca do lucro. Passa a ser interesse dos acionistas agora, e do Capitalismo, a sustentabilidade do sistema, no sentido amplo do termo. No segundo artigo citado por Sen, o foco é outro – desenvolvimento e meio ambiente – mas está ele relacionado com o primeiro. O desenvolvimento é a busca de bem-estar máximo, minimizando-se os custos da competição e da busca sem fim do lucro (como a poluição e o aquecimento global). Mas, o bem-estar das gerações futuras depende do que é feito no presente. Logo, se passar males para as gerações futuras, como a degradação ambiental, e não bens, benefícios, é algo que deva ser considerado imoral, portanto as ações das corporações devem ser controladas, se as gerações atuais forem altruístas, para evitar danos futuros.
Este é ponto: nada muda se a comunidade e os consumidores, bem como acionistas (em menor grau, talvez) desejarem! Não podemos compartilhar aqui, portanto, a visão pouco útil, mercadológica somente, ingênua e, por vezes, sínica, segundo a qual as empresas se importam com “responsabilidade sócio-ambiental”.
As empresas se importam com sua sustentabilidade financeira e devem fazê-lo por força da lei e, por que não dizer, por uma questão moral, já que elas devem gerar benefícios aos donos do capital, os acionistas.
Porém, se pode servir de consolo, a sustentabilidade das corporações, aparentemente, começa a depender de ações delas que sejam sustentáveis do pondo de vista social e ambiental pois, do contrário, consumidores e, quem sabe um dia, até acionistas, as penalizem fatalmente.
A própria lógica do Capitalismo, a busca do lucro, tão ingenuamente criticada por muitos ambientalistas e críticos de esquerda, ela mesma, transformará o risco em oportunidade, como já está a ocorrer em muitas economias nacionais, na medida em que as corporações introduzem em suas estratégias competitivas, como metas, a agregação de valor social e ambiental ao consumidor. A própria corporação do Século XXI, não aquela de duzentos e tantos anos atrás – e isso nem Marx percebeu – é tão astuta que cria, por sua própria lógica, a busca do lucro, os mecanismos de seu próprio controle, como um psicopata ciente da necessidade do uso de sua medicação.
É falso dizer que as corporações são “responsáveis”; verdadeiro é afirmar que elas o são, um pouco a contra gosto, no presente. Contudo, no futuro, serão muito responsáveis (e o serão com muita voracidade), pois a bondade, para elas, será lucrativa, um bom negócio, enfim.

Corrupção, Política, Ética e as Regras do Jogo

Corrupção, Política, Ética e as Regras do Jogo

Qual é a natureza da corrupção política no Brasil?
Parto do princípio de que a moralidade política é maquiavélica e hobbesiana. Para ilustrar o argumento, considero algumas das características de três escândalos recentes: o caso do Governador do Distrito Federal, Arruda, a fraude no concurso público do Instituto de Criminalística em São Paulo e a fraude corporativa de lavagem de dinheiro da Camargo Correa.
Estes três acontecimentos, distintos entre si, possuem algo em comum: o não respeito a valores morais que deveriam nortear o auto-interesse e a busca de fins privados e o desprezo pela Lei. Nos dois primeiros casos, a moral pública é violada e, no segundo, aquela moral que deveria conduzir, de boa forma, os negócios corporativos.
Fraudes em concursos públicos no Brasil são exceções. Trata-se, tal caso, de um exemplo de apropriação patrimonialista da coisa pública, revelador este de algo perverso aqui: o caráter não republicano de facto daquilo que Raymundo Faoro, em os Donos do Poder, definiu como estamento burocrático. Estamento burocrático é uma definição que encerra em si mesma uma contradição: a idéia de burocracia moderna, de um corpo de gestores funcionais, eficazes, racionais, que separam coisa pública de privada e estamento, conceito relacionado a uma sociedade estamental, a um grupo de indivíduos, tal qual ocorria em sociedades pré-modernas, que desfrutam de um direito quase natural à apropriação do patrimônio público. O estamento burocrático gere o Estado, mas o faz, em parte, em benefício próprio.
No Brasil, tanto no nível da baixa burocracia, como na alta, envolvendo aí o patronado político brasileiro, não há esta distinção clara entre a gestão do Estado para a sociedade e a gestão do mesmo para algumas corporações de funcionários públicos, agregados e políticos.
A fraude da Camargo Correa é lesa-pátria, pois representa evasão divisas. Este é um mal, porém menor, se comparado com fraudes públicas citadas anteriormente. Mas ela revela algo em comum com os casos de corrupção: a crença de que os sistemas de vigilância e punição são frágeis.
O estamento burocrático revelou-se um instrumento de captura do Estado no escândalo do Distrito Federal, uma máquina política. O termo “máquina política” tem origem na literatura política estadunidense, na análise feita sobre corrupção municipal.
Como funciona uma máquina política?
Imagine um governador que retribui seus correligionários com propinas ou com dinheiro retirado de empresários: os correligionários podem açambarcar deputados e o judiciário local. Isso é uma máquina política, uma instituição, uma regra do jogo que faz com que, dados os incentivos, as motivações derivadas das mesmas, os agentes (políticos, burocratas, jornalistas cooptados, desembargadores) atuem na forma de quadrilha. Uma marca das máquinas políticas é que elas não existem em função de uma ou outra eleição, isto é, elas se entranham dentro do Estado: são um esquema permanente de uso ilegal da coisa pública.
No Brasil, tais máquinas poderiam ser caracterizadas por “panelinhas”, onde as relações cooperativas de seus membros gera benefícios mútuos, inclusive de auto-proteção (daí a importância de se cooptar desembargadores e ameaçar traidores).
O esquema de corrupção do DF é diferente de um simples caso de fraude num concurso público ou da evasão de divisas associada à má conduta corporativa. Ele revela, a despeito de suas particularidades, uma característica intrínseca ao Estado brasileiro: os membros da clientela, do estamento burocrático e agregados, como que se atribuem um direito natural ao uso privado da coisa pública.
Na verdade, em geral, não há um problema nas pessoas, mas nas regras que as norteiam. A qualidade do jogo político depende da qualidade dos jogadores e da qualidade das regras do jogo, pois delas derivam-se incentivos que determinam as decisões dos agentes. No Brasil não há lei e os incentivos, no jargão dos economistas, são “tortos”: levam a uma má conduta.
O problema aqui não são os governos: a corrupção é relacionada com a estrutura do Estado. Os governos são cooptados por máquinas políticas do próprio.
O mundo da política manifesta o que há de mais vil em nossa natureza. Na política devemos ser criaturas hobbesianas e maquiavélicas: desejamos a destruição do inimigo, o poder: mas poder corrompe e nossas paixões devem ser controladas por nós mesmos, ou inibidas, de facto pela Lei.
Falando sobre a qualidade dos jogadores na arena política: ela não tem relação com a capacidade dos mesmos, muitos competentes e capazes, mas há, no Brasil, regras do jogo que incentivam a ganância.

Corrupção, Política, Ética e Moralismos

Corrupção, Política, Ética e Moralismos

Sempre que um novo caso de corrupção ou fraude no setor público aparece, é comum de nossa parte, cidadãos, uma reação um tanto quanto cética, derrotista e irônica (de pizza, passamos agora a estigmatizar panetones).
Gostaria de salientar neste artigo que há soluções para os problemas que enfrentamos nesta área. Elas são demoradas, de fato, mas factíveis, dado o que podemos aprender com as experiências históricas. Por outro lado, desejo aqui polemizar em torno daquilo que chamo de “moralismo político e social” ou a aceitação ingênua de que a política não envolve o uso de “mãos sujas”, de que a moralidade política não é maquiavélica e hobbesiana (sim, ela é as duas coisas). Contudo, para formular o argumento, preciso levantar algumas das características de três escândalos recentes: o caso do Governador do DF, Arruda, a fraude no concurso público do Instituto de Criminalística em São Paulo e a fraude corporativa de lavagem de dinheiro envolvendo a Camargo Correa.
Estes três acontecimentos são distintos entre si, porém possuem algo em comum: o não respeito a valores morais que deveriam nortear o auto-interesse e a busca de fins privados numa democracia republicana. Nos dois primeiros casos, a moral pública é violada; no segundo, aquela moral que deveria conduzir, de boa forma, os negócios corporativos.
Fraudes em concursos públicos no Brasil não são a regra, mas a exceção. Em qualquer país este tipo de ocorrência pode aparecer. Trata-se, tal caso, de um exemplo de apropriação patrimonialista da coisa pública, reveladora esta, contudo, de algo perverso no Brasil: o caráter não republicano de facto de boa parte daquilo que Raymundo Faoro, em os Donos do Poder, definiu como estamento burocrático. Estamento burocrátio é uma bela definição que encerra em si mesma um contraditio in terminis: a idéia de burocracia moderna, para Max Weber (influência importante na formação de Faoro) é de um corpo de gestores funcionais, eficazes, racionais e que separam coisa pública de privada. Já o termo estamento refere-se a uma sociedade estamental, a um grupo de indivíduos, tal qual ocorria em sociedades pré-modernas, que desfrutam de um direito quase natural à apropriação do patrimônio público dentro da lei (na forma de privilégios) e fora da lei.
No Brasil, tanto no nível da baixa burocracia, como na alta, envolvendo aí o patronado político brasileiro, não há esta distinção clara entre a gestão do Estado para a sociedade e a gestão do mesmo para algumas corporações de funcionários públicos, agregados e políticos.
A fraude da Camargo Correa é corporativa, embora lesa-pátria, pois representa evasão de impostos e divisas. Este é um mal, porém menor, se comparado com fraudes públicas tais quais as citadas anteriormente. Mas ela revela algo em comum com os casos de corrupção: a crença de que os sistemas de vigilância e punição são frágeis (não há lei, na prática).
O estamento burocrático revelou-se um instrumento de captura do Estado no escândalo do Distrito Federal. Note-se que o tipo de máquina política criada há tempos no DF e exposta ao extremo no caso Arruda, tem uma peculiaridade: desde a fundação de Brasília nunca houve solução para o problema da terra e esta virou moeda de troca nas relações entre deputados distritais, governadores, jornais locais e o eleitorado.
O termo “máquina política” tem origem na literatura política estadunidense, na análise feita sobre corrupção municipal. A corrupção no DF tem características das máquinas políticas. Imagine um governador que retribui seus correligionários com propinas ou com dinheiro retirado de empresários: os correligionários, todos esses indivíduos, podem açambarcar deputados, secretários de governo e o judiciário local. Isso é uma máquina política, uma instituição, uma regra do jogo que faz com que, dados os incentivos, as motivações derivadas das mesmas, os agentes (políticos, burocratas, jornalistas cooptados, desembargadores) atuem na forma de quadrilha. Uma marca das máquinas políticas é que elas não existem em função de uma ou outra eleição: elas se entranham dentro do Estado e são um esquema permanente de uso ilegal da coisa pública.
No Brasil, tais máquinas poderiam ser caracterizadas por “panelinhas”, onde as relações cooperativas de seus membros gera benefícios mútuos, inclusive de auto-proteção (daí a importância de se cooptar desembargadores e ameaçar traidores). Comumente, no Brasil usamos para descrever as ações de tais panelinhas o termo “clientelismo”. Mas o termo clientelismo está mais associado à forma como o poder se estabelece, com todas estas redes de troca de favores no uso da coisa pública, em sociedades agrárias. Então, na descrição do esquema de Arruda, Roriz e seus agregados, o melhor seria usar o termo “neoclientelismo”.
O esquema de corrupção do DF é difernete de um simples caso de fraude num concurso público ou da evasão de divisas associada à má conduta corporativa. Ele revela, a despeito de suas particularidades, uma característica intrínseca ao Estado brasileiro: os membros da clientela, do estamento burocrático e agregados, como que se atribuem um direito natural ao uso privado da coisa pública.
Na verdade, em geral, não há um problema nas pessoas, mas nas regras que as norteiam. A qualidade do jogo político depende da qualidade dos jogadores e da qualidade das regras do jogo, pois delas derivam-se incentivos que determinam as decisões dos agentes. No Brasil o tempo, em média, do julgamento e análise definitiva de um processo é de 10 anos; na França a mesma medida nos dá 7 meses. No Brasil não há lei: os incentivos, no jargão dos economistas, são “tortos”: incentivam a má conduta.
O problema do Brasil, no que se refere à corrupção, não é de governos: é do Estado. Os governos são cooptados por estruturas arcaicas de poder do próprio Estado: não importa o partido político, a colisão, embora mesmo na política tudo tenha limites. Como assim “mesmo na política”?
O mundo da política manifesta o que há de mais vil em nossa natureza. Somos criaturas hobbesianas e maquiavélicas na política: desejamos a destruição do inimigo. Tanto é que quando a política falha, vem a guerra. Falando sobre a qualidade dos jogadores na arena política: ela não tem relação com a capacidade dos mesmos, muitos competentes e capazes (claro que há um baixo clero na política), mas há, no Brasil, regras do jogo que não inibem a ganância.